Mencione estratégia de corrida a qualquer pessoa que não trabalhe na Fórmula 1, e o mais provável é que a imagem que surja em sua cabeça seja a de um jogo de xadrez, com um cérebro poderoso sentado no posto de controle da equipe calculando as alternativas, ou um piloto decidindo subitamente parar para trocar pneus a fim de reforçar sua margem de liderança ou ultrapassar um adversário.
Na verdade, como quase tudo o mais na Fórmula 1, a estratégia de corrida avançou para muito além do velho estilo improvisado e intuitivo, e se tornou algo de altamente elaborado e científico. Trata-se de um exercício de computação permanente, envolvendo milhões de cálculos e cenários, e envolvendo uma equipe de meia dúzia de engenheiros e matemáticos cuja função é analisar a combinação correta de carga de combustível e mudanças de pneus, e decidir quantos pits stops devem ser realizados ao longo de uma prova, e em que momentos.
"Os dias em que alguém dizia 'acho que é uma boa hora para parar' são coisas do passado", diz Neil Martin, diretor de operações estratégicas da equipe Red Bull. "Isso não funciona mais".
Para as equipes que participarão do GP da Inglaterra, neste fim de semana, a estratégia de corrida é tão importante quanto a aerodinâmica, a mecânica, a potência do motor e o desempenho do piloto, e elas têm sob contrato numerosos especialistas, para prover serviços tão vitais quanto os das demais divisões de uma fábrica. O piloto serve basicamente para mantê-los abastecidos de dados.
Martin se formou em matemática, ciência da computação e pesquisa operacional, uma disciplina que envolve o estudo de análise de riscos e o desenvolvimento de modelos matemáticos. Ele começou na Fórmula 1 em um projeto de estudo sobre a aplicação dessas disciplinas a uma corrida. Na época, era funcionário da McLaren, para a qual trabalhou durante 10 anos antes de se transferir à Red Bull no ano passado.
"Antes que a Fórmula 1 me seduzisse, eu pretendia trabalhar no mercado financeiro, em operações de ações e derivativos", ele diz. "E, de certa forma, o que faço continua a ser bem parecido com isso".
Segundo Martin, foi a adoção de uma estratégia diferenciada para os pilotos da Red Bull - um deles fez um pit stop, o outro fez dois - que valeu a David Coulthard uma terceira posição no GP do Canadá, em 8 de junho.
"Estávamos fazendo o que um administrador de finanças faz: distribuindo o risco", disse.
A equipe Toyota previu corretamente, antes da prova, quanto tempo duraria a provável presença do carro-madrinha na pista, e adotou estratégias de parada única para seus dois pilotos, Timo Glock e Jarno Trulli. Eles terminaram em quarto e sexto na mesma prova.
Mas Dieter Gass, o engenheiro-chefe da Toyota, aponta para as limitações da estratégia de corrida: "Estratégia não basta para fazer com que um mau carro ganhe provas ou um bom carro perca provas - a não ser que alguém cometa grandes erros".
Ele diz que esse tipo de recurso pode ser crucial, no entanto, quando uma corrida é interrompida por acidentes, chuva ou pela presença do carro-madrinha, que entra na pista para garantir a segurança e mantém a corrida em velocidade limitada e sem ultrapassagens enquanto a pista é limpa, como aconteceu no Canadá.
Por exemplo, a vitória de Kimi Raikkonen para a McLaren no GP de Mônaco, em 2005, foi atribuída à decisão de Martin, de fazer o oposto do esperado no momento em que o carro-madrinha entrou na pista.
Mas essas decisões se baseiam em dados analisados por milhões de cenários em computadores que funcionam não só na semana anterior à corrida como no fi, de semana da prova e na corrida em si, com a inserção dos resultados da equipe e dos concorrentes.
Esse uso da estratégia começou a se tornar crucial na metade dos anos 90, quando trocas de pneus e reabastecimento de combustível foram reintroduzidos na categoria. A importância cresceu em 2003, depois que os carros passaram a ser obrigados a largar na prova com o combustível que restasse em seus tanques no final dos treinos. Isso significava calcular quanto combustível usar, com base na posição de largada esperada e na duração ideal da primeira perna da corrida.
Os principais fatores inseridos nos computadores são o número de voltas da prova, a quantidade de combustível que o carro deve levar, a velocidade do carro e a duração de seus pneus.
O julgamento humano afeta o processo?
"Talvez haja duas estratégias possíveis", diz Martin. "Uma delas oferece uma pequena possibilidade de pódio mas, se algo sair errado, uma posição bem atrás na classificação final. Outra opção de estratégia praticamente garante um sétimo lugar. Cabe a um ser humano decidir o que é mais vantajoso".
Outro fator humano pode alterar as decisões: um piloto pode fracassar em realizar o plano ou, mais raramente, superar as expectativas de desempenho.
"Calculamos mal", diz Martin Whitmarsh, presidente-executivo da McLaren, em referência à pole position de Lewis Hamilton por margem superior à esperada, no Canadá. "Podíamos ter colocado mais gasolina no carro dele. O ideal é conquistar a pole por um milésimo de segundo. Mas Lewis teve um desempenho realmente especial, algo que não havíamos programado em nossa análise".
A Fórmula 1 tem tentado informar mais os espectadores sobre as decisões de estratégia, recentemente.
"Para aqueles de nós que estão envolvidos no trabalho, se trata de um esporte fascinante, com muitas facetas", disse Whitmarsh. "Mas ainda não aprendemos a informar bem os torcedores sobre as complexidades e os detalhes do nosso esporte".
Mas as equipes em geral preferem não divulgar informações que possam dar vantagem a um competidor. Antes do GP da Turquia, em maio, a McLaren não divulgou que o carro de Hamilton tinha problemas de pneu que requereriam três pit stops, ante dois para a maioria dos demais pilotos.
"Jamais é uma boa idéia mostrar qualquer fraqueza", disse Martin. "Quando a coisa deixa de ser uma incógnita e se torna um fator conhecido, computável, os oponentes podem desenvolver simulações mais fiéis do que as nossas".
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